Sócrates (1954-2011)
Há jogadores que marcam o futebol somente pelo que fazem dentro de campo. Não é o caso de Sócrates. Neste dia 4 de dezembro, nos despedimos de uma das figuras mais marcantes e, talvez, a mais atuante politicamente da história do esporte no Brasil.
O Sócrates que nos deixa encantou os olhos de quem viu seus toques de calcanhar tão característicos, mas também emocionou quem acompanhou suas entrevistas e viu a postura corajosa de quem não aceitou ser meramente comandado por outros. Com Sócrates, morre um pouco do espírito contestador dos jogadores de futebol, algo tão raro nos tempos atuais.
O início de carreira
A trajetória de Sócrates no futebol iniciou-se em Ribeirão Preto, onde vivia e começou a se destacar no Botafogo local. O próprio nome da estrela já mostrava que ele era diferente de um jogador de futebol comum; filho de um pai admirador dos filósofos gregos, ele foi batizado em homenagem ao famoso pensador, enquanto dois de seus irmãos foram nomeados como Sófocles e Sóstenes. Seu comportamento também era pouco usual; Sócrates às vezes faltava treinos para completar a faculdade de medicina.
O ano de maior destaque de Sócrates no pequeno Botafogo veio em 1977, quando ele liderou o time ao título do primeiro turno do Campeonato Paulista e terminou como artilheiro da competição. Desde então, já se via sua elegância com a bola no pé e capacidade de organização das jogadas, sempre de cabeça erguida. Os toques de calcanhar, que transformaram-se em sua marca registrada, também eram abundantes.
Um ano depois, em 1978, ele transferiria-se ao Corinthians, clube que o consagrou. Ao lado de grandes nomes como Casagrande e Palhinha, começou a formar uma equipe que chegaria a seu auge no início dos anos 80. Mas aquele time, apesar de forte, não se destacaria tanto por seus títulos em campo quanto se destacou pelas visões políticas que representava.
A democracia corintiana
Em 1982, uma grande revolução começou no Parque São Jorge, liderada pelo 'Doutor'. Naquela época, o sociólogo Adilson Monteiro Alves era o diretor de futebol do Corinthians, o que abriu a possibilidade para transformar completamente a maneira com que o clube era organizado e comandado.
Com a liderança do sempre instruido e articulado Sócrates, o Corinthians passou a adotar um sistema democrático. Jogadores e diretores tinham peso de voto igual para tomar as decisões que mudariam o rumo do clube e do time dentro de campo. Nascia a Democracia Corintiana.
É preciso lembrar que, nesse momento, o Brasil vivia a ditadura militar, ou seja, a democracia não era o sistema de governo do país. O time do Corinthians, então, deu ao país um exemplo de como o sistema democrático pode funcionar.
A experiência democrática foi essencial para o bicampeonato paulista de 1982 e 1983, enquanto a equipe chocava o país entrando em campo com mensagens políticas nas camisas e apoiando, mais tarde, o movimento das 'Diretas Já', que quase reinstalou as eleições diretas para a presidência do país. Apesar da qualidade do elenco e de suas experiências revolucionárias, o Corinthians não chegou a títulos nacionais na época.
O brilho de 1982
1982 realmente foi um ano especial para Sócrates. Além da instalação da Democracia Corintiana, que ficou marcada como uma experiência única na história do futebol brasileiro, o 'Doutor' participou de uma das equipes mais marcantes da Seleção Brasileira.
A geração do início dos anos 80 foi uma das mais talentosas da história de nosso futebol. Sócrates fazia parte de um meio-campo inesquecível ao lado de Toninho Cerezzo, Paulo Roberto Falcão e Zico. Na Copa do Mundo da Espanha, o Brasil encantou o mundo com um futebol envolvente, de toques precisos e plásticos, com o comando do mestre Telê Santana.
Sócrates marcou belos gols na partida contra a União Soviética e depois contra a Itália, no jogo que acabou eliminando aquele time espetacular com a derrota de 3 a 2 para a Azzurra. O Brasil saía da Copa do Mundo nas quartas de final, mas Sócrates, junto com seus brilhantes companheiros, nunca seriam esquecidos.
Depois, aquela mesma geração foi ao México para a Copa do Mundo de 1986. Sócrates já não era o mesmo jogador, assim como muitos de seus companheiros. O 'Doutor' desperdiçou um dos pênaltis na decisão contra a França, que eliminou o Brasil, também nas quartas de final. Foi a última aparição de Sócrates com a camisa amarela.
O fim da trajetória
Os últimos cinco anos da trajetória de Sócrates no futebol já não tiveram o mesmo brilho do início de sua carreira. Em 1984, Sócrates recebeu uma proposta da Fiorentina e foi para o futebol italiano, quando teve sua única experiência no futebol europeu.
Após apenas uma temporada em Florença, Sócrates teve problemas de relacionamento com outros jogadores e alguns chegam a dizer que ele suspeitava que seus companheiros estivessem manipulando resultados. A volta ao Brasil não demorou.
Antes da aposentadoria, Sócrates ainda vestiria a camisa de Flamengo e Santos, mas as atuações brilhantes de antes não se repetiam. A aposentadoria viria em 1989.
A vida depois do futebol seria marcada pelo espírito crítico que sempre caracterizou Sócrates quando esteve em campo. Fora dos gramados, ele passou a ser um comentarista ácido e exigente, sempre incomodado com a rigidez tática e falta de criatividade do futebol moderno, além de dar seus pitacos sobre o cenário político nacional.
Os excessos que levaram à morte
Dublê de jogador de futebol e ativista político, mas não atleta. Esse sempre foi o estilo de vida de Sócrates. Os abusos do álcool e do cigarro sempre estiveram presentes na vida do jogador, mesmo nos momentos em que brilhava dentro das quatro linhas.
"O álcool era um companheiro para conviver com parte da loucura dessa sociedade que a gente vive", Sócrates.
Eventualmente, os excessos começaram a ter efeito negativo sobre o corpo do 'Doutor' e 2011 foi o ano em que os problemas se acumularam. Justamente quando Sócrates já lutava para ficar longe da bebida, os repetidos anos de abuso do álcool prejudicaram seu fígado e as complicações cortaram a trajetória de um dos jogadores mais marcantes da história de nosso futebol mais cedo.
O Sócrates que nos deixa encantou os olhos de quem viu seus toques de calcanhar tão característicos, mas também emocionou quem acompanhou suas entrevistas e viu a postura corajosa de quem não aceitou ser meramente comandado por outros. Com Sócrates, morre um pouco do espírito contestador dos jogadores de futebol, algo tão raro nos tempos atuais.
O início de carreira
A trajetória de Sócrates no futebol iniciou-se em Ribeirão Preto, onde vivia e começou a se destacar no Botafogo local. O próprio nome da estrela já mostrava que ele era diferente de um jogador de futebol comum; filho de um pai admirador dos filósofos gregos, ele foi batizado em homenagem ao famoso pensador, enquanto dois de seus irmãos foram nomeados como Sófocles e Sóstenes. Seu comportamento também era pouco usual; Sócrates às vezes faltava treinos para completar a faculdade de medicina.
O ano de maior destaque de Sócrates no pequeno Botafogo veio em 1977, quando ele liderou o time ao título do primeiro turno do Campeonato Paulista e terminou como artilheiro da competição. Desde então, já se via sua elegância com a bola no pé e capacidade de organização das jogadas, sempre de cabeça erguida. Os toques de calcanhar, que transformaram-se em sua marca registrada, também eram abundantes.
Um ano depois, em 1978, ele transferiria-se ao Corinthians, clube que o consagrou. Ao lado de grandes nomes como Casagrande e Palhinha, começou a formar uma equipe que chegaria a seu auge no início dos anos 80. Mas aquele time, apesar de forte, não se destacaria tanto por seus títulos em campo quanto se destacou pelas visões políticas que representava.
A democracia corintiana
Em 1982, uma grande revolução começou no Parque São Jorge, liderada pelo 'Doutor'. Naquela época, o sociólogo Adilson Monteiro Alves era o diretor de futebol do Corinthians, o que abriu a possibilidade para transformar completamente a maneira com que o clube era organizado e comandado.
Com a liderança do sempre instruido e articulado Sócrates, o Corinthians passou a adotar um sistema democrático. Jogadores e diretores tinham peso de voto igual para tomar as decisões que mudariam o rumo do clube e do time dentro de campo. Nascia a Democracia Corintiana.
"Sempre lutei pelo voto direto e continuo a acreditar ser esse o melhor meio de avaliação democrática. Com ele respeita-se a alternância de poder, tão necessária, principalmente naqueles tempos de ditadura militar", Sócrates. |
É preciso lembrar que, nesse momento, o Brasil vivia a ditadura militar, ou seja, a democracia não era o sistema de governo do país. O time do Corinthians, então, deu ao país um exemplo de como o sistema democrático pode funcionar.
A experiência democrática foi essencial para o bicampeonato paulista de 1982 e 1983, enquanto a equipe chocava o país entrando em campo com mensagens políticas nas camisas e apoiando, mais tarde, o movimento das 'Diretas Já', que quase reinstalou as eleições diretas para a presidência do país. Apesar da qualidade do elenco e de suas experiências revolucionárias, o Corinthians não chegou a títulos nacionais na época.
O brilho de 1982
1982 realmente foi um ano especial para Sócrates. Além da instalação da Democracia Corintiana, que ficou marcada como uma experiência única na história do futebol brasileiro, o 'Doutor' participou de uma das equipes mais marcantes da Seleção Brasileira.
A geração do início dos anos 80 foi uma das mais talentosas da história de nosso futebol. Sócrates fazia parte de um meio-campo inesquecível ao lado de Toninho Cerezzo, Paulo Roberto Falcão e Zico. Na Copa do Mundo da Espanha, o Brasil encantou o mundo com um futebol envolvente, de toques precisos e plásticos, com o comando do mestre Telê Santana.
"Foram os trinta dias mais perdidos da minha vida" - Sócrates, sobre a Copa de 1982. |
Sócrates marcou belos gols na partida contra a União Soviética e depois contra a Itália, no jogo que acabou eliminando aquele time espetacular com a derrota de 3 a 2 para a Azzurra. O Brasil saía da Copa do Mundo nas quartas de final, mas Sócrates, junto com seus brilhantes companheiros, nunca seriam esquecidos.
Depois, aquela mesma geração foi ao México para a Copa do Mundo de 1986. Sócrates já não era o mesmo jogador, assim como muitos de seus companheiros. O 'Doutor' desperdiçou um dos pênaltis na decisão contra a França, que eliminou o Brasil, também nas quartas de final. Foi a última aparição de Sócrates com a camisa amarela.
O fim da trajetória
Os últimos cinco anos da trajetória de Sócrates no futebol já não tiveram o mesmo brilho do início de sua carreira. Em 1984, Sócrates recebeu uma proposta da Fiorentina e foi para o futebol italiano, quando teve sua única experiência no futebol europeu.
Após apenas uma temporada em Florença, Sócrates teve problemas de relacionamento com outros jogadores e alguns chegam a dizer que ele suspeitava que seus companheiros estivessem manipulando resultados. A volta ao Brasil não demorou.
Antes da aposentadoria, Sócrates ainda vestiria a camisa de Flamengo e Santos, mas as atuações brilhantes de antes não se repetiam. A aposentadoria viria em 1989.
A vida depois do futebol seria marcada pelo espírito crítico que sempre caracterizou Sócrates quando esteve em campo. Fora dos gramados, ele passou a ser um comentarista ácido e exigente, sempre incomodado com a rigidez tática e falta de criatividade do futebol moderno, além de dar seus pitacos sobre o cenário político nacional.
Os excessos que levaram à morte
Dublê de jogador de futebol e ativista político, mas não atleta. Esse sempre foi o estilo de vida de Sócrates. Os abusos do álcool e do cigarro sempre estiveram presentes na vida do jogador, mesmo nos momentos em que brilhava dentro das quatro linhas.
"O álcool era um companheiro para conviver com parte da loucura dessa sociedade que a gente vive", Sócrates.
Eventualmente, os excessos começaram a ter efeito negativo sobre o corpo do 'Doutor' e 2011 foi o ano em que os problemas se acumularam. Justamente quando Sócrates já lutava para ficar longe da bebida, os repetidos anos de abuso do álcool prejudicaram seu fígado e as complicações cortaram a trajetória de um dos jogadores mais marcantes da história de nosso futebol mais cedo.
(Extraído de Goal.com)
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